Nelson Évora e a realização do impossível

(Hess, 20 anos; Évora, 32 anos; Donato, 40 anos)


Em 2007 já Nelson Évora lutava contra a história e a estatística. A ida aos Jogos Olímpicos de 2004 com 19 anos de idade fora o melhor estágio que lhe podia ser proporcionado.
Viu Christian Olsson (então com 24 anos) vencer o título olímpico e isso deixou-lhe a vontade de vencer, que viria a conseguir no Mundiais de 2007, sagrando-se campeão mundial com a idade de 21 anos!
Mas foi no ano seguinte, já com os holofotes sobre si, que subiu ao Monte Olimpo como campeão olímpico de triplo-salto. Depois, foi um período de calvário, com cirurgias e recuperações, e regressos às grandes competições, a “bochechos”.
A sua grande determinação esteve sempre presente em todos os discursos e há dois anos, quando poucos acreditariam nisso, sagrou-se campeão europeu de pista coberta. No ano passado, depois de um mundial de pista coberta em que ficou à beira do pódio, saltando 16,89, perdendo com  o chinês Bin Dong (17,33), o jovem alemão Max Hess (17,14) e com o francês Benjamin Compaoré (17.09); e depois de um europeu ao ar livre de má memória (17º na qualificação com 16,27), com triunfo do conhecido Max Hess (17,20) – com subida ao pódio ainda do polaco Karol Hoffmann (17.16) e do britânico Julian Reid (16.76), Évora partiu para o Rio de Janeiro, para os Jogos Olímpicos de 2016 com algumas dúvidas. A sua vontade não chegava. O treino não estava a surtir os efeitos desejados.
Na cidade brasileira, Évora chegou à final e voltou aos 17 metros (17,03), mas isso não chegou para as medalhas, ficando no honroso sexto lugar ultrapassado pelos norte-americanos Christian Taylor (17.86) e Will Claye (17.76), pelos chineses Bin Dong (17.58) e Shuo Cao (17.13) e pelo colombiano John Murillo (17.09).
Seguiu-se uma revolução. Troca de treinador primeiro, escolhendo o cubano Ivan Pedroso, antiga glória olímpica e mundial, e mudando de cidade (passou a viver em Madrid) para estar perto do treinador e, no maior abalo de sempre, trocando o Benfica pelo Sporting!
Que estava mal, que as coisas não iriam correr bem, que estava “velho”, enfim, muito se disse e escreveu e foi correndo por aí.
Devido a uma mudança profissional, voltámos a estar com os atletas nalguns momentos altos e nos Campeonatos de Portugal de pista coberta, os primeiros da “nova vida” de Nelson, tivemos oportunidade de estar com o seu treinador enquanto víamos Nelson voar. «Esta pista, sendo agradável, não tem o ambiente que um atleta deseja para se empolgar mais», dizia o cubano face ao pouco público que se via e ao pouco entusiasmo na bancada. «Eu estou a aprender a conhecer o Nelson», dizia, «temos que conhecer um pouco mais de alguns respostas. No treino surpreende-me a sua capacidade e dedicação. Mais que um “chaval”. Está com uma vontade que poucos têm.»
Já Nelson, dispôs-se a conversar um pouco e falou no treino, «tenho menos condições, trabalho à chuva e ao frio, mas com um grupo fantástico que nos leva a querer mais». Questionado sobre esse querer, se a ambição ainda lá estava ou se a a tinha readquirido, ele respondia «o melhor está para vir. Você terá oportunidade de ver!» Mas foi o seu olhar, de “malandreco”, mas sincero de que acreditava no que estava a dizer foi o bastante para nos rendermos  e desejarmos toda a boa sorte do mundo.
E quanto a ver... pois não vi. Não vi no local, nem vi em directo. Vi depois, pois deixei a gravar. Vi uma, duas, três,..., 16, 17 vezes. Uma por cada metro que ele voltou a saltar, quando muitos não acreditavam.
Apesar de defender o título de há dois anos, as provas anteriores de Évora, mesmo o meeting de Madrid, e uma qualificação calma, com a sua melhor marca do ano com 16,79, tirou-lhe toda a pressão de cima, que foi inteirinha para os jovens Max Hess (está sempre no caminho... e poderá ser uma estrela europeia), que saltou 17,52 (melhor marca mundial do ano) e para o jovem francês Raffin Melvin, que bateu o recorde mundial júnior com 17,20.
Depois, abrir perto dos 17 metros e ver três atletas saltar mais de 17 metros não lhe retirou a ambição e “pimba” lá tirou da cartola os 17,20. E os “outros” ficaram nas covas.
Entre eles o fantástico “velhinho” Fabrizio Donato, que em 2012, com 36 anos, ganhara uma medalha olímpica (bronze). Agora, aos 40 anos é medalha de prata. Se o japonês Miura mereceu destaque por ser titular n o campeonato japonês aos 50 anos, que dizer do Donato, que tem idade para ser pai do Max Hess?
Enfim, tudo isto só para dizer que acreditar no Évora é acreditar na realização do impossível. Que ele faz acontecer. Obrigado Nelson.

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